Neoliberalismo recrudecido, Bolsonaro no Brasil, Trump nos Estados Unidos. A política em sua versão mais chula. E, nestas terras tropicais na qual se disseminaram levantes em 2013, as lutas já não conseguiram se conectar daquela maneira – viva, intensa, por todos os lados, impossível de ignorar. Talvez a aparente passividade frente ao inaceitável se dê por medo do rumo que uma revolta ampla poderia tomar. Pois até depois de Temer, que parecia o cúmulo, as coisas conseguiram ficar piores. Buraco sem fundo.
“Fora, Bolsonaro”, ele cai, e quem assume? Vice milico demente? É essa a alternativa que nos resta? Lula Livre! Esperança? [Que exige esperar até 2022…]
Golpe, impeachment, vitória de uma direita tosca e despreparada. Retrocessos, retrocessos, retrocessos. Incêndios nas matas, perseguição às comunidades organizadas, assassinato e prisão de lideranças populares, óleo por todo o Nordeste. Homofobia, racismo, violências. Milícias no poder. Como não se indignar? Quem mandou matar Marielle?
Por que não nos revoltamos, todes, novamente? Será que tomar as ruas com indignação, mas sem estratégia, vale a pena? É possível organizar alguma coisa sem ser centralizada por partidos, líderes, pautas prioritárias? Foram mesmo os protestos de junho de 2013 a origem da tragédia na qual se afunda hoje o Brasil, como sugerem alguns?
Agora, no Chile, revoltas protagonizadas por jovens tomam as ruas do país. Não são convocadas por partidos, não contam com lideranças explícitas. É pelo aumento da tarifa do transporte público, mas não é só por 20 centavos – ops, digo, por 30 pesos.
Não é o metrô: é saúde, educação, previdência, moradia, salário dos políticos, aumento da luz, aumento da gasolina, roubalheira das Forças Armadas, perdão das dívidas dos empresários. É A DIGNIDADE DE UMA SOCIEDADE!!! Assim diz o panfleto chileno que viralizou nas redes digitais.
É por dignidade. É por justiça. São várias lutas que emergem em meio às ruínas de um dos maiores experimentos neoliberais de Abya Yala, implementado a palo y sangre.
É que sim, é tanta coisa errada que não cabe num cartaz, como disseram nas ruas do Brasil em 2013. As lutas, frustrações e pautas se conectam, porque dizem respeito à insatisfação frente a um sistema de morte que se impõe. E no dia em que pudermos conectar as coisas, percebendo a unidade nas diferenças, sem querer anulá-las…
Nesse dia que, como falaram as zapatistas, será noite…
Será a re-evolução.
Angela Davis, em recente visita ao Brasil, deu a letra: “quando questionada sobre ‘qual bandeira é a mais importante de ser defendida’, fez questão de dizer que selecionar uma luta não era produtivo. Para ela ‘todas as lutas estão conectadas, não dá para falar de uma luta verdadeiramente antirracista sem falar do patriarcado heteronormativo. Não é possível falar em feminismo sem falar da dimensão histórica que o capitalismo tem na opressão das mulheres’”.
As lutas estão todas conectadas. A prisão é uma só. O povo Mapuche nos dá um grande exemplo disso, ao se somar à revolta no Chile, compreendendo a conexão entre as diversas lutas e a necessidade de, em suas diferenças, unificá-las em torno do que têm em comum.
“Não é uma crise, é que já não te quero”, dizia um cartaz que viralizou e já se multiplicou em vários outros cartazes, em vários outros protestos, nas ruas e nas redes digitais. Não é uma crise do capitalismo. O capitalismo é a crise. É um relacionamento tóxico, abusivo. Que não faz sentido sustentar. O que a vida quer da gente é coragem para abandoná-lo e redescobrir como seguir sem ele. E todo um leque de possibilidades se abre. Novas velhas possibilidades. Lembrar quem já fomos para nos transformarmos em quem queremos ser. Juntes. A partir do agora.
Bom carcereiro ou mau carcereiro, o governante eleito é sempre funcionário do sistema-prisão
John Berger, em um dos textos que compõem uma publicação colaborativa maravilhosa chamada El libro de los saberes, explica as coisas de maneira muito simples: esse sistema hegemônico ao qual, mais ou menos, de uma maneira ou de outra, estamos todes submetidxs, é uma grande prisão. Qualquer governante que se alie a esse sistema é um carcereiro. Pode ser um carcereiro bom, pode ser um carcereiro mau – e é bem importante saber distinguir e tirar proveito disso. Mas é fundamental manter a consciência de que, bom ou mau, é sempre um carcereiro.
Em 2013, quando um protesto contra o aumento da tarifa do transporte público foi violentamente reprimido pela polícia militar em São Paulo, e tal violência divulgada ao vivo por grandes canais de TV e pela internet, uma onda de indignação coletiva se espalhou pelo país. E trouxe à tona muitas insatisfações reprimidas. Referentes à saúde, educação, contra a roubalheira em torno da Copa do Mundo, contra a morte de jovens negrxs na periferia. Cadê o Amarildo?
E não era num governo de dita direita. Era num governo de dita esquerda. Que construiu Belo Monte. Que iniciou um megaprojeto de transposição do Rio São Francisco para abastecer a agropecuária extensiva no Sudeste, enquanto o povo do sertão, vivendo ao lado rio, amarga duras secas.
Um governo em que as políticas sociais se ampliaram como nunca. Mas ainda era uma prisão. Ainda era desenvolvimentista. Capitalista.
De um lado, há de se reconhecer os matizes: no vigente governo os ataques à natureza, aos direitos humanos e sociais, a todas as formas de vida, se agravaram bruscamente. Um exemplo evidente é o aumento das queimadas – com destaque para Mato Grosso e a região amazônica, onde estão sendo abertas grandes “fronteiras agrícolas”.
Nos últimos meses, um descomunal derramamento de óleo atingiu praticamente todo o litoral nordestino, destruindo a biodiversidade de rios, mares, recifes, corais e manguezais. Impacto incalculável na vida de comunidades que construíram a sua existência integrada a esses ecossistemas, e deles interdependem – material e simbolicamente – para continuar (re)existindo. Os criminosos, impunes. O governo… O que esperar desse governo? Uma declaração mais absurda que a outra. Show de horrores.
Do outro lado, há de se reconhecer as semelhanças. Os casos de Mariana e mais recentemente Brumadinho evidenciam as consequências que as atividades de mineração podem trazer à humanidade e às demais naturezas. O primeiro ocorreu ainda no governo de Dilma Rousseff; o segundo, nesse atual desgoverno grotesco.
Juntando o saldo dos dois incidentes criminosos – (ir)responsabilidade da mineradora Vale e da multinacional BHP Billiton – temos centenas de pessoas mortas, duas cidades praticamente destruídas, ecossistemas colapsados e comunidades inteiras em desolação. E tudo isso por minério de ferro – aliás, por lucro gerado a partir do minério de ferro.
A aldeia Pataxó Hã-hã-hãe anunciou o falecimento do Rio Paraopeba e as dificuldades em continuar existindo sem ele – seu parente ancestral. Já a comunidade Krenak acredita que o Watu, como chamam o rio Doce, não morreu. Está em coma. “Ele é insubstituível porque nós não admitimos que ele está morto. É por isso que estamos na margem esquerda do Rio Doce velando o corpo daquele parente nosso, o Watu, que é o nosso avô”, diz Aílton Krenak.
Em troca dos danos irreparáveis, as empresas de mineração não só continuam impunes como receberam licença para voltar a operar. “VALE” a pena o rio Doce?
Recentemente pudemos acompanhar o levante no Ecuador. O aumento da gasolina, parte de um pacotaço de ajustes exigidos pelo Fundo Monetário Internacional (parece que estamos de volta aos anos 1990), foi o estopim. Também nesse caso, não se trata de um governo de dita direita. Lenín Moreno é continuidade de Rafael Correa, tão celebrado durante o denominado ciclo de governos de esquerda na América Latina.
No governo de Correa realizou-se a Assembleia Constituinte que reconheceu a plurinacionalidade, o Bem Viver e os direitos da Mãe Terra na carta magna do país. Alberto Acosta era vice presidente e esteve à frente desse processo popular, e é talvez a mais reconhecida referência teórica quando se fala em Bem Viver. Ele rompeu com Rafael Correa, passou a denunciar o desenvolvimentismo e o uso marketeiro que o então presidente fazia do Bem Viver. E esteve a favor dos atuais protestos contra Lenín Moreno.
Na Bolívia, que passou por um processo análogo ao do Ecuador no que diz respeito à constituinte e à apropriação governamental do Bem Viver, indícios de fraude eleitoral levaram Evo Morales a renunciar – e a extrema direita está tirando proveito da indignação popular. O velho fantasma do golpe, agora sob versão remodelada, ronda a América Latina novamente. Mas há também quem se oponha não só a Evo mas ao oportunismo de direita, em sua crescente onda de fascismo neoliberal, desde abaixo. A feminista María Galindo, da coletiva Mujeres Creando, provocou as mulheres para construírem uma alternativa não patriarcal, uma proposta “ao país para que sair da lógica de briga de galos, própria de caudilhos e salvadores que se elevam como encarnação da pátria e do povo” . E elas responderam. E se organizaram em um Parlamento de Mulheres. E seguem compartilhando suas impressões sobre os conflituosos processos sociais, buscando alternativas comuns à política patriarcal que insiste em se impor, firmando “vigilias charlamentarias” e rezos coletivos com coca em prol da mátria, que vive nos corações de cada quem, para além das brigas dos de cima por seus podres poderes.
Também na Nicarágua, não faz muito tempo, a população tomou as ruas contra o governo. Um governo sandinista. De dita esquerda. Contra retrocessos dos seus direitos, contra pacotaços do FMI.
Outro exemplo é o México, onde há um governo de dita esquerda, depois de décadas e décadas da direita no poder. Mas o movimento zapatista, composto por indígenas revolucionárixs que se autogovernam no sudeste mexicano, demonstra ceticismo frente ao “novo mau governo”, como elxs mesmos denominam. E continuam se organizando contra a crescente militarização do estado de Chiapas, onde habitam, e contra os megaprojetos que o governo insiste em impor a todo custo. O muro entre México e Estados Unidos se levanta, a despeito das promessas de campanha.
Ou seja, os governos que se dizem, ou são apontados como, de esquerda, também estão implementando pacotes neoliberais que partem do FMI, assim como cortes nos investimentos sociais. Tratorando povos e florestas em prol do lucro.
É o capitalismo. É a prisão.
Evidentemente, como é de se esperar de uma análise assumidamente anticapitalista, não se trata de criticar a dita esquerda para legitimar a dita direita. Pelo contrário. Criticamos os governos de esquerda por, apesar de seus discursos mais ou menos radicais, se aproximarem cada vez mais do programa da direita – que se mostra cada dia mais “liberal na economia e conservadora nos costumes”. Criticamos os governos de esquerda por deixarem de lado seu compromisso histórico de romper com o modelo capitalista. Por se dedicarem à perpetuação no poder, e não à sua pulverização em diversas experiências do tão referido poder popular. Por se contentarem em ser os carcereiros bonzinhos – e privilegiados – do sistema-prisão.
Muita gente de muitos povos em muitos lugares está revoltada. No Haití, assim como no Chile, multidões se rebelam contra um governo neoliberal de direita (que tempos são esses em que precisamos explicar se um governo neoliberal é de direita ou de esquerda).
O Haití protagonizou a primeira revolução encabeçada por negros em solo americano, expulsando a coroa francesa, abolindo a escravatura e declarando sua independência. Historicamente pagou caro por isso e vive hoje uma situação dramática. Segundo dados da ONU, em 2014 cerca de 55% da população do país encontrava-se em situação de pobreza e 29% em condições miseráveis; mais da metade da população acima de 18 anos era analfabeta; e uma pequena parcela tinha acesso a água potável, energia elétrica, saneamento básico e saúde. Num país em que direitos humanos essenciais são privilégio, a indignação popular é justa consequência.
Haiti não é uma nação pobre. É uma nação empobrecida – inicialmente pela coroa francesa, que impôs o pagamento de uma dívida astronômica pelo reconhecimento de sua independência. Seguiram-se ingerências externas, ditaduras sangrentas, corrupção estrutural, ocupações militares de tropas da ONU – na qual o Brasil se destacou enviando cerca de 15 mil soldados durante os governos petistas. Fatores como furacões e terremotos agudizaram a situação que o povo haitiano enfrenta – e a enfrenta com muita garra e pouca visibilidade e solidariedade internacional.
Piquetes, barricadas e greves gerais têm sido recorrentes no país nos últimos anos. O clima atual, segundo as poucas informações que temos, é de rebelião popular. A população pressiona com manifestações diárias desde o início do mês de outubro, com um saldo de dezenas de mortos e centenas de feridos e presos. Os povos negros haitianos pedem a saída do atual presidente Moïse, atolado em escândalos de corrupção, à frente de um governo que tem aplicado medidas de austeridade econômica impostas pelo FMI. Mas, mais que isso, o clamor é por dignidade e justiça, demanda comum a tantos povos oprimidos no continente, a tantos povos oprimidos no mundo.
Protestos derrubaram o governo do Líbano – e, ao que tudo indica, o estopim foi a aprovação da cobrança de um imposto pelo uso do WhatsApp. As ruas do Iraque estão em chamas. O governo autônomo do Kurdistão, em que as mulheres têm papel determinante, resiste aos ataques turcos.
Tantas revoltas das quais pouco sabemos. Quase nada nos chega do que acontece ao redor do planeta, nas outras celas dessa grande prisão. Manifestações aparecem e desaparecem como manchete e logo já nem sabemos mais no que deu ou deixou de dar. Afinal,
“As autoridades sistematizam o máximo possível suas ações de maneira a manter mal informados os companheiros presos sobre o que ocorre em outras partes da prisão mundial. No sentido agressivo do termo estas autoridades não doutrinam. O doutrinamento está reservado para treinar a pequena elite de comerciantes e de expertos gerenciais de mercado. Quanto à enorme população de presos, não é o propósito ativá-los, mas mantê-los numa incerteza passiva, lembrá-los sem cessar que não há nada na vida a não ser riscos, e que a terra é um lugar inseguro.” (Tradução livre desde El libro de los saberes.)
Por isso é tão importante trocarmos informações entre nós sobre nossas lutas, nossas realidades, nossas construções coletivas. Por isso é tão importante elaborarmos nossas narrativas sobre o que acontece ao nosso redor, e como nossa realidade local se conecta ao que ocorre no mundo.
Por isso o simples ato de protestar já é um ato de coragem: a ousadia de sair da passividade e do individualismo a que somos induzidxs. Mas é triste quando esse ato de coragem é manipulado pelos de cima. É infrutífero quando é um fim em si mesmo.
Pós-capitalismo, coletividade e Bem Viver
A História, ou melhor, as histórias de resistência ensinam que não é possível sair dessa prisão sozinhx. Somente juntes temos força para nos levantar frente a esse sistema, de superar o medo e a insegurança e conseguir abrir brechas para criar (ou reafirmar) outros mundos, outras possibilidades, outras maneiras de se relacionar com as pessoas, com a comunidade, com a terra, com os ciclos, com a vida.
Olhemos para a constelação do Bem Viver, com suas referências que riscam a noite escura, cosmovisões que nos possibilitam acessar “bons conviveres” com a potência de descolonizar nossos imaginários. Outros modos de pensar, viver e olhar que nos ajudam a identificar e enfrentar nossos fardos (neo)colonial, patriarcal, racista, desenvolvimentista, que separou a humanidade da natureza, que a tudo assola duramente.
Porque sim, somos inseparáveis. Isso nos ensina a mamãe Quero-Quero, nos mostrando que a sua batalha por proteger seu ninho construído numa lavoura onde outrora fora campo nativo era também a luta diária da Carolina de Jesus. Mulher negra, escritora, catadora e periférica, lutou pela sobrevivência da sua família às margens do hoje praticamente falecido rio Tietê, que resiste a duras penas assim como a juventude negra das periferias, da comunidade LGBTT, mulheres, sem terra, sem teto, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, faxinalenses, caiçaras, marisqueiras, sertanejas e catadoras de mangaba e coco babaçu. O sistema que nos violenta e nos mata é o mesmo.
É através da organização social que se constroem outras estruturas que não as opressoras, como nos inspiram tantas lutas e povos – assim como é através das práticas ancestrais que hoje chamam de agroecologia que vislumbramos um mundo inteiro sem latifúndio e sem veneno, integrado e equilibrado, social e ecologicamente.
E assim vamos exercitando cada aspecto dos mundos que queremos manifestar – cada um relacionado ao outro, entramados nos nossos modos de entender a existência e vivê-la. Cada grande crise é uma oportunidade não só de destruir o que já não serve mais, mas de cultivar o que sonhamos.
Desorganizar essa estrutura caduca que precisa cair – e já está caindo -, mas não só: organizar os mundos que queremos, que já vêm surgindo a partir de antigas raízes. Cultivar e fortalecer as realidades que criamos a partir das velhas sabedorias, para que nossas dignas revoltas se sustentem no cotidiano. Relembrar. Ouvir as velhas melodias de resistência, plantar as sementes ancestralmente cultivadas.
E pode ser difícil. A coletividade é um baita de um desafio. Mas ousar é certamente mais entusiasmante que se conformar com esse modo de “vida” competitivo e individualista de miséria e morte que têm levado tanta gente de tantos povos, senão à revolta e à organização coletiva, à depressão, à apatia, ao fatalismo, à exploração – à morte em vida.
Reconhecer as heranças de vida coletiva, os saberes ancestrais cultivados de geração em geração que o sistema que se impõe, em sua paranoia controladora e uniformizante, insiste em tentar nos arrebatar. (Mas não consegue. As sementes foram guardadas). Conectar esses laboratórios ancestrais – e ter a liberdade de recriar, a partir deles, diversas maneiras de viver que saibam dialogar, coexistir, se respeitar. Um mundo em que caibam muitos mundos.
Talvez o mais difícil seja começar. Romper a cápsula da vida privada e rever crenças e hábitos que comprovadamente já não servem. E pode ser que, mesmo não sendo fácil, peguemos gosto pelo desafio; que a alegria de seguir um caminho que tem coração, um caminho coletivo, um caminho necessário, um caminho que são muitos caminhos, nos nutra, porque nos leva a nos transformar, e ao nosso modo de andar.
Não sabemos exatamente onde essas veredas, que abrimos a cada passo entre emaranhados, vão dar. Mas nos sentimos caminhando. A cada luta pelo bem comum, mutirão, ação de apoio mútuo e solidariedade. Nas inter-relações entre comunidades, coletivos e povos. No desenhar de outras economias, que prezam pelas comunidades e pela vida, na restauração da integralidade entre humanidade e natureza, na recriação de tecnologias socioecológicas, bioconstruções. No firmamento de relações equânimes e complementares, no culto às diversidades.
Em cada arte, rezo e luta sentimos desabrochar e reverberar germes que já nutrem este outro mundo de muitos possíveis. Recriando-os a partir de nossas histórias e de miscelânias herdadas e presenteadas de povos neoancestrais que nunca foram completamente colonizados, que chegaram aos dias de hoje carregando ciclos seculares de resistência, demonstrando um incrível biodinamismo. Resiliência.
Seguimos o mutirão da vida, a roda dos bem viveres. Juntes, pelo caminho, nos curando, rezando, lutando, nos alimentando e organizando, honrando à Mãe Terra e ao Gran Espírito, à Pachamama, Nhandexy, Nhanderú, nesse grande território que nos abriga, Yvyrupá, terra sem fronteiras de sangue vital que nos nutre. Tecemos esse círculo de muitos círculos, que podem espiralar e romper o sistema quadrado que insiste em nos podar.
Espiralemos. É nosso convite, nossa aposta e nosso desejo.
Esse texto é um exercício de reflexão colaborativa entre o Território Junana, Vida Boa e Coletivo Guandú